Neuor
Muitas lojas de perucas, marcas
de tiro em quase todos
os monumentos, as ruas têm
nomes de santos e os edificios
novos são de péssimo gosto
1.
Pariu a mãe aos 9 meses. Devorou a placenta, como Clarice. Engoliu de uma
só vez nome e data de nascimento. Depois saiu de pé sem sola, carne exposta ao
asfalto seco, sem tempo de choro, sem primeiro grito, direto aos confins do
mundo. Foi ver TV, frango de padaria, virar michê, céu cinza, janela gradeada.
2.
Talvez Barata
Ribeiro, 200. Hoje outro número. Voou pelos ares, sem balão de gás como o
padre. As cinzas foram varridas junto com a fumaça dos
ônibus. Apenas cacos no chão, poucos, ínfimos, mas ali. Unidade nenhuma resiste à
queda. 13º andar. De uma só vez, sem interrupção. Talvez se fotografado. A
velha senhora, de laquê e colônia, achou mais bonito assim, aos pedaços, sob os
pés. Noticiaram, refizeram, de baixo para cima, a queda. Novos mitos, novas bonecas
a 50 reais. Não é nada disso. Trata-se, nesse caso, daquela que quebra louças,
junta os pedaços e depois ora. Não ora, gargalha com os olhos arregalados pela
faca e o louro artificial dos cabelos. Põe fogo em antiquários para vê-los
voar.
3.
Comprei um baralho de 1875. Talvez seja de noventa do século passado,
mesmo. O valete veste 1400. Os daqui nunca usaram trajes semelhantes. Daí a
nostalgia.
4.
Gosto da poeira,
dos fungos, da coisa mofada. Não do objeto.
5.
Vértebras à mostra. Prepara-se para o banho. Nu. Banheira. Talvez canal do
Leblon. Poucas mudas de grama.
6.
Desfez o corpo em segundos, disse ela. Sobrou apenas a mancha na escada.
Marcados por números, contabilizados depois de já cinzas. Os daqui, jogam
morto-vivo sem carteira assinada. São apenas plural, apenas problema de
ocupação irregular, apenas filas intermináveis, apenas mãos estendidas, apenas
figurantes de filme de ação, apenas vidro fumê.
7.
Ele subiu no arranha-céu da cidade para conhecer, pela luneta, o rosto da
mãe.
8.
As ondas se debatem nas bordas da tela.
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