a história certamente não é uma via de mão única, mas, em parte, se
faz pelo eco de gestos. o que penso funcionar como imagem
especular a foto-colagem na qual se conjuga o rosto do vice e o
corpo da presidente (trajando o vestido usado pela mesma no dia da posse) é a imagem (carregada de força simbólica) de Macbeth vestido com os trajes do rei da escócia.
a menção a incompatibilidade entre corpo e vestimenta se dá, desde a primeira “conquista” de macbeth, ou seja a do título de thane de cawdor, que ocorre por meio da traição ao rei por parte daquele que até então usufruía dessa posição. ao saber da futura nomeação (pelas palavras enigmáticas das três bruxas) macbeth indagaria:
mas cawdor vive. por que hão de vestir-me com roupas emprestadas?
palavras que reaparecem futuramente em eco na boca de banquo: essas honras lhe caem/ como trajes estranhos que não servem /sem muito uso.
macbeth aparece assim, desde o começo da peça, como alguém que já ganhou algo que um outro ainda perde. essa imagem funciona também como imagem premonitória (mas invertida) do que sucederá, pois caberá a macbeth, após ganhar o novo título, assassinar o rei e assim tomar novamente o lugar do outro, mas, dessa vez, por ter sido ele mesmo um traidor. e novamente, as roupas que passa a trajar (as do rei) não lhe pertencem, se sobrepondo agora a esta inadequação uma mácula.
a foto-colagem temer-dilma longe da piada fácil de teor misógino ou transfóbico, revela, pelo riso, a exata inadequação entre veste (enquanto honras concedidas) e personagem que a traja. não se trata aí do ato de travestimento, mas de seu exato oposto, o de usurpação.
o que o nosso ex-vice.possivel.futuro.presidente (que já anuncia seu governo quando aquela, que ocupa o lugar que ele almeja, ainda agoniza), teria a oportunidade de aprender, caso tivesse lido com atenção essa obra de shakespeare, seria um de seus ensinamentos básicos: que cada novo assassinato não apaga a traição inicial, mas, ao contrário, só multiplica o número de conspiradores.